O Que Leem (ou Não) os Seminaristas e Pastores

Um membro de destaque da mesa diretora de uma das maiores e mais importantes denominações evangélicas do Brasil, diante de suas múltiplas ocupações, disse: “Eu só tenho tempo de ler a Bíblia e um jornal local”. Jantando com um ex-colega de colégio, pastor de uma igreja protestante de centro de Capital, confessou: “Nesses cinco anos desde que fui Ordenado não tive tempo de ler sequer um livro sobre qualquer assunto”. E um aluno de um seminário teológico onde lecionei costuma dormir ou jogar futebol de salão nos dias em que ia pregar a noite. Nada de estudar comentários, dicionários ou autores especializados. “Por não ler nada, deixo a mente limpa para o Espírito Santo baixar e me iluminar”, afirmava em sua peculiar ‘mediunidade protestante’. Somos um país em que alguns não leem porque são analfabetos, outros porque o curto salário não permite, e outros por preguiça ou preconceito, o antiintelectualismo. Mas, quando se lê.... o que se lê?

O protestantismo histórico de missão aqui aportou investindo pesado em educação, com suas escolas e colégios, além do papel da Escola Bíblica Dominical. Nós, “povo do livro”, deveríamos ser uma gente que lê, que pensa e que escreve. Do jornal “Imprensa Evangélica”, fundado por Simonton, à“Conferência do Nordeste”, da Confederação Evangélica, passando pelas controvérsias fundacionais da Igreja Presbiteriana Independente (IPI) e do “movimento radical batista”, dos irmãos Vieira Ferreira aos CELAs e CLADEs, passando pelo ISAL, e chegando a TL ou à FTL, por muito tempo se fomentou um pensar teológico protestante em nosso continente e em nosso país. As editoras (em número restrito, e a maioria denominacionais), ao lado de traduções de autores europeus ou estadunidenses, abriam espaço para autores nacionais, que influenciaram gerações.

Ao posterior fundamentalismo, e ao sectarismo com mentes fechadas, vimos chegar o emocionalismo, o experiencialismo e o sincretismo místico, em que os amuletos substituem os livros, enquanto o movimento editorial (ampliado pelas multinacionais) tem sido mais mercado do que missão, altamente seletivo, lucrativo e censor, em que os autores norte-americanos, com sua ideologia e sua cultura,“fazem a cabeça” de muitos, com escassos autores nacionais, de preferência aqueles que, embora nativos, pensam segundo as categorias forâneas.

É claro que o estrangeirismo não tem sido exclusividade dos conservadores, pois, por muito tempo, eram considerados “progressistas” aqueles que andavam com o “último” autor da teologia europeia debaixo do braço (“cultura axilar”...).

Acontece, também na área teológica, o que é comum na área secular: excelentes trabalhos de conclusão de curso de graduação, dissertações de mestrados e teses de doutorados têm como fim, após aprovados, uma gaveta nas instituições, e não o prelo das editoras.

O que acontece no cenário religioso, ou na produção teológica na África, na Ásia ou na Oceania ninguém publica, e todos ignoram, mutilando a catolicidade esperada da Igreja. Nas últimas décadas, só tivemos a fase de admiração pelo que ocorria na Coreia, mas não no que dizia respeito à teologia, mas apenas no que era concernente a métodos de crescimento de igrejas.

Nos seminários se estuda Teologia Sistemática e Ética sem se conhecer Filosofia ou Antropologia, a História é factual e ocidental, valorizando-se o bem repetir e se suspeitando do bem pensar. Seminaristas e pastores não são encorajados, ao nível intelectual a “examinar de tudo e reter o que é bom”.

O temor é construirmos uma experiência cristã que passa pelo suicídio intelectual, ou pela visão delinquente do exercício do pensar (inquisição), pois o compromisso com a confissão de fé nos Credos e nas Confissões, na herança apostólica e das decisões dos Concílios da Igreja Indivisa, o “consenso dos fiéis”, que marca uma ortodoxia viva, não deve ser confundido com o discurso diverso e fecundo do labor teológico, que (com os condicionamentos dos autores) procuram dar respostas adequadas aos desafios dos tempos e dos lugares.

Enquanto isso, os autores nacionais têm grande dificuldade para publicar suas obras, particularmente se não vivem no Sudeste, e possuem nomes comuns. Porque, ao nos autodesvalorizarmos, e nos deslumbramos com o forâneo, apenas “pomos fé” em autores alhures, com nomes complicados, que impressionam. Dificilmente seria um “best seller” o melhor dos tratados sobre qualquer área da teologia, cujo autor se chame Severino José da Silva, com pós-doutorado pela Universidade do Piauí...

Jornais denominacionais, revistas interdenominacionais, e os novos veículos dos sites e dos blogs são os espaços (nem sempre valorizados) onde os nacionais podem se expressar, ainda que sob forte peso da importação cultural, fragmentado, e longe de se construir escolas nacionais de pensamento, que afirme a nossa identidade e traga uma contribuição ao pensamento cristão mundial.

Os antigos mestres já nos ensinavam que “quem não lê, não escreve”. Mas, o que se escreve também reflete o que se lê.

O currículo dos seminários e a lista de venda das editoras são temas a serem encarados com seriedade, que almejamos ter e uma contribuição respeitável, e se um dia seremos ouvidos (ou lidos) pelo resto do mundo.

Por ora, o que é mais do que verdadeiro – e generalizado – é a velha máxima de que “nada se cria, tudo se copia”. Afinal, o papagaio é um bicho símbolo de nossa pátria, e não só pelo verde-e-amarelo de suas penas...

Paripueira (AL), 14 de janeiro de 2012,

Anno Domini.
Bispo Diocesano

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