Estudar teologia não é uma área segregada à academia teológica; não pertence à esfera de intelectuais maçantes que se preocupam em descobrir e firmar termos técnicos incompreensíveis aos demais mortais; não é monopólio daqueles que escrevem livros meramente para adquirir a respeitabilidade e admiração de seus colegas docentes; nem pertence a mosteiros anacrônicos, que procuram se aproximar de Deus distanciando-se do mundo que Ele criou. Mas é tarefa de todas as pessoas – quer elas reconheçam esse dever, quer não. É simplesmente pesquisar no lugar correto sobre a pessoa de Deus através do estudo do que ele é, e do que ele faz. 




Ter uma compreensão teológica adequada, extraída da fonte correta, sobre a pessoa e os atos de Deus, é o que nos coloca no rumo do reconhecimento e glorificação da Sua Pessoa. Essa compreensão das coisas que podemos aprender sobre a divindade, tem que ser sedimentada nos corações pelo poder soberano do Espírito Santo e correlacionada com as atividades do dia-a-dia, pelo poder salvador de Cristo Jesus – Criador e centro da Criação. Isso é o que dá sentido à nossa existência e é o que nos aproxima da nossa finalidade original, que foi distorcida e desviada pelo pecado. É a ante-sala da eternidade, aqui na terra.

Existe, portanto, a propriedade do estudo desta área de conhecimento. Deve ser reconhecida, também, a centralidade do estudo da teologia, na gama de conhecimentos disponíveis ao homem. Estudar teologia é algo importante para que compreendamos a vida e o nosso papel nela. Teologia, em seu conceito, é o summum bonum do pensar: nada a excede em importância e relevância e todas as pessoas, quaisquer que sejam as suas carreiras ou profissões, deveriam estar envolvidas nesse estudo. Essa atividade intelectual não é antagônica nem contraditória à verdadeira piedade e devoção a Deus. Muitos, é verdade, advertem contra o estudo da teologia. Vários a contrapõem à piedade cristã; e ainda outros acham que o muito estudar afasta de Deus. Mas a realidade é que esse pensar é fruto do “espírito anti-intelectual dessa geração”, que “tem se infiltrado de tal maneira na igreja, que eles recusam a crer que alguma atividade intelectual possua valor intrínseco”.[1] É preciso, entretanto, nadar contra a corrente e resgatar um estudo lógico, profundo, sistemático sobre o Deus verdadeiro.

Tudo isso começa com uma compreensão da doutrina das Escrituras. Com a verificação e aceitação que elas são Palavra de Deus, a base de tudo que se possa compreender sobre as demais doutrinas. A Confissão de Fé de Westminster tem essa progressão lógica. As doutrinas de Deus, do Homem, de Cristo, e da Salvação são estudadas após as estacas estarem firmadas na Palavra Inspirada. A partir dessa fonte é que elas são apresentadas Para o estudo da teologia é necessário, portanto, o saudável apreço pela Escritura; pelo lugar básico do meio de comunicação de Deus para com as pessoas – a Bíblia – como fonte do conhecimento religioso e como lugar onde encontramos as respostas às questões principais relacionadas com o nosso propósito e nosso destino.

Precisamos fugir do subjetivismo que tem mirrado as mentes cristãs, e voltarmos à revelação proposicional e objetiva da Palavra de Deus. Não podemos nos deslumbrar ou nos enganar com a pretensa super-espiritualidade contemporânea, que pretendendo estar mais próxima de Deus em um enlevo místico-misterioso, no qual dialoga-se com Deus, recebe-se revelações; fala-se muito em amor, em vida, em ministério, em pregação, em poder, em maravilhas, em atividades, em louvor; enquanto que progressiva e paralelamente há demonstração de afastamento e desprezo para com a única fonte de revelação objetiva que Deus nos legou: As Sagradas Escrituras.

As Escrituras não se constituem em uma mera compilação ou registros das formulações e reflexos do pensar teológico humano, ao longo dos tempos. A Bíblia não representa a apreensão subjetiva, e estritamente humana, de comunidades “lucanas”, “petrinas”, “paulinas” – eivadas de erros, mitos e cacoetes próprios, que precisam ser “descontruídos” para se chegar ao cerne de uma mensagem desfigurada e anacrônica. Muitos livros existem que tratam a Bíblia dessa maneira. O liberalismo teológico tem tomado de assalto diversos segmentos da igreja cristã. Tais trabalhos não servem ao proveito real de ninguém, a não ser à suposta intelectualidade dos autores, antigos e contemporâneos, que assim pretendem se colocar como juizes sobre os textos inspirados. A Bíblia é a palavra inspirada de Deus – merecedora de toda confiabilidade; livre de erro; fonte confiável de instrução ao homem sobre Deus e seus atos criativos, de justiça e redentivos, na história.

O estudo da Teologia constitui-se em uma abordagem objetiva, sistemática e lógica dos dados encontrados nas Escrituras e esse tipo de estudo anda por demais ausente do chamado evangelicalismo. Vivemos em meio a um mar de posições amorfas e pseudo-amorosas que inundam o campo editorial cristão e, com muita intensidade, até o reformado. É necessário trabalhar com propriedade os textos, conceitos e doutrinas e laborar em lógica de pensar – algo perdido e raro entre os evangélicos. É necessário que tenhamos mais vozes que defendam clara e apaixonadamente a infalibilidade das Escrituras.

Temos que apreciar esse papel fundamental da Bíblia. Os reformadores, no século XVI, compreenderam isso. A fé reformada procura fazer com que a interpretação das escrituras seja a mais objetiva possível, de tal forma que o elemento subjetivo esteja sempre sujeito à visão mais transparente e proposicional do texto. Nesse sentido, o resgate do Sola Scriptura, na Reforma, e o re-ensinar da doutrina do sacerdócio universal dos crentes – que, além de outras implicações, nos autoriza a ir até a Bíblia e verificar o que Deus nos falou através de seus autores inspirados, foi passo gigantesco no mundo do subjetivismo e do misticismo em que havia mergulhado a igreja medieval.

Os cristãos não podem se render ao ressurgimento contemporâneo dessa situação eclesiástica, dominada por mentes teológicas atrofiadas, vendidas ao misticismo e subjetivismo, presente em tantas formas cúlticas e de louvor de igrejas, ou de “comunidades” cristãs. Não podemos nos esquecer que Paulo, em Romanos 12.1-2, diz que Deus quer de nós o nosso “culto racional”, com a “renovação da nossa mente”, para que “experimentemos...”. Ou seja, a experiência deve estar subjugada ao entendimento. Mesmo que a racionalidade esteja ausente do nosso meio; mesmo que o subjetivismo esteja patente, com a negação das Escrituras como única fonte confiável de conhecimento religioso; mesmo que inúmeras pessoas passem a dar importância ao direcionamento que “sentem”, ao “recebimento” de revelações e profecias; devemos permanecer racional e firmemente alicerçados na Palavra e sempre considerar bem-vindas obras e livros que tenham essa mesma abordagem e compreensão.

Devemos ser estimulados a pensar e a defender a nossa compreensão e convicções – ou a modificá-las, quando sentirmos o peso da argumentação bíblica e assim formos direcionados pelo soberano Espírito Santo de Deus.





[1] Introdução à Teologia sistemática de Vincent Cheung (São Paulo: Arte Editorial, 2008), p. 5, cujo prefácio escrevi. Aquele prefácio serviu de base, com adaptações, para este ensaio. Apesar de minha discordância com Cheung em alguns escritos seus, este livro (Introdução...) é um livro estimulante e que demonstra apreço pela Palavra de Deus.



Solano Portela
Bacharel em Arte (B.A) na área das ciências exatas (1971) Mestre em Teologia Sistemática (Th.M.), Biblical Theological Seminary (EUA, 1974). Presbítero da Igreja Presbiteriana do Brasil (em Recife, Manaus e São Paulo). Foi Membro do Conselho de Educação Religiosa e Publicações, da Comissão Permanente de Doutrina, e da Junta de Educação Teológica da Igreja Presbiteriana do Brasil. Foi Professor de Teologia Sistemática e Ética, no Seminário Presbiteriano do Norte do Brasil (Recife, 1985-1986); no Instituto Bíblico Palavra da Vida (Pernambuco, 1982-1986); no ITEPRAM - Instituto Teológico Presbiteriano do Amazonas (1988-1991); no Instituto Presbiteriano de Educação Cristã - IPTEC (1993-1994); e na Escola de Líderes do Presbitério Sul-Paulistano (São Paulo, 1997-1998). É autor de Educação Cristã (São Paulo: Editora Fiel), Cinco Pecados que Ameaçam os Calvinistas (São Paulo: PES), Fazendo a Igreja Crescer (São Paulo: Editora Os Puritanos), A Lei de Deus Hoje (São Paulo: Editora Os Puritanos), A Pena Capital e a Lei de Deus (São Paulo: Editora Os Puritanos), Fé Cristã e Misticismo, com outros autores (São Paulo: Editora Cultura Cristã). 




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